Incrível como a gente esquece de olhar o próprio quintal e dá mais valor pra grama do vizinho, né?! Incrível como a gente esquece de registrar as belezas de todo dia… Fazendo um retrospecto aqui no Viajão, me dei conta de que falei muito, muito, muito pouco sobre a cidade em que passei mais tempo na vida (depois da cidade natal Curitiba).

Falei aqui sobre a Praça da Espanha de Sevilha, o lugar mais arrebatador da cidade, sobre a Feria de Abril que torna a cidade famosa, e sobre uma peculiar dançarina de Flamenco, mas esqueci de contar todo o resto. Não foi por falta de admirar não, “Sevilla”, “Sebilla”, “Se vive”, “Se linda!”  – é linda de ponta a ponta e eu já sabia disso antes mesmo de ir pra lá. Acho que foi por preguiça de tentar encontrar explicação pra todas aquelas sensações que não escrevi antes.

Uma vez lá, eu me encantava a cada dia, me sentia privilegiada cada vez que passava pedalando e vendo o pôr do sol en la Puente de la Barqueta.

E durante os seis meses, não deixei de registrar cada detalhe, cada sacada, lençois voando no terraço e cada rua de passagem… teve até uma vez que resolvi filmar toda a caminhada até em casa (e deixar tonto qualquer um que tentou assistir o vídeo depois).

As ruas não turísticas, apenas calles espanholas, com suas mesinhas pra fora, gente “de tapas”, falando alto pela madrugada, improvisando um flamenco a cada esquina, ruas de pedra, cheiro de pedra molhada pelas mangueiras e perros andaluzes vagando… corredores de vento encanado e chafarizes saindo da calçada pra refrescar o sol de 40 graus e a pedalada de cada dia a caminho da universidade.

O mais interessante de morar em outro lugar – e não só fazer turismo nele – é justamente adquirir hábitos, repetir trajetos, inventar uma vida nova, visitar supermercados, se perder e mais tarde se reconhecer, não compreender e mais tarde se sentir local, criar rotina (essa mesma que a gente vive maldizendo quando está por aqui).

 

Nova vizinhança, novas rotinas, novos trajetos… foi esse espírito, que estou revivendo agora ao sair de casa oficialmente, que me lembrou dessa sensação deliciosa de sentir que no mundo, no fundo, se está sempre em queda livre, sem raízes, e de repente se sente em casa, criando novas famílias e raízes novas… até se jogar de novo…

Mas voltando a Linda Sevilla, o primeiro mês lá tinha essa cara, de estranhamento, de frio que não combinava com o lugar, de solidão idiomática…

Mas passados seis meses a sensação era de sangue latino pra sempre nas veias, calor insuportável, cheiro de cebola y jamón misturados no ar, tinto verano e madrugadas quentes… Se dizem que a “Espanha marca”, Sevilla carrega o que há de mais folclórico da cultura espanhola, e marca com ferro quente!

Aos fins de semana eu gostava de esquecer que estava morando lá e ia turistar mesmo! Tantos lugares lindos perto do nosso quintal, gringos com seus protetores vinham de todo canto para ver.

A Praça da Espanha que já foi cenário de cinema, a Casa de Hercules também já… as muralhas do bairro em que eu morava Macarena, que lembravam tempos de império romano. Puente aqui, puente ali, puente acolá e o belíssimo caminho com vista para o bairro de Triana de um lado e Torre del Oro de outro.

Sem contar a Catedral e sua linda torre Giralda. A segunda maior igreja gótica do mundo (apesar de ser bem uma mistura de antiga mesquita com templo católico),  terceiro maior templo do mundo, só perde pra São Pedro no Vaticano e Saint Paul de Londres. É lá que está/foi sepultado o famoso Cristóvão Colombo, aquele que, você sabe desde a escola, descobriu a América!

Bom, continuo amando Sevilla e tenho momentos de nostálgia até hoje, ela continua linda e ganha novos atrativos que me fazem querer voltar, como a grandiosa obra contemporânea Metropol Parasol:

Mas acho que o que mais gosto é daquela sensação, de cão andaluz sem destino, as vezes desejando ser aquela espanhola de cabelos soltos, sem compromissos, sem plano dentário, mas que é capaz de bater no peito e cantar chorado o flamenco mais profundo do universo, e depois sentar-se e comer mais uma azeitona… as vezes fingia ser um “hippie da alameda” – o que não deixa de ser uma mistura desses dois ultimos perfis.

A única dica desse post pode ser traduzida como: valorize (agradeça, tire foto, filme) cada canto da cidade em que for morar por um tempo, você pode passar por aquele muro todo dia, mas quando não estiver mais lá ele pode ser tudo o que você quer ver!